Cinema Marginal Brasileiro: Comentários sobre 3 Longas

O Bandido da Luz Vermelha, Matou a Família e Foi ao Cinema e Bang Bang

João Paulo Amadeu Martins
5 min readJun 17, 2021
Luz e Janete sobrevivendo no Terceiro Mundo (Imagem: Folha de S.Paulo)

Ao realizar um estudo sobre o Cinema Marginal Brasileiro, assisti a 6 filmes (sendo 3 curtas e 3 longas). Aqui estão 3 comentários sobre os 3 longas que assisti. São eles: O Bandido da Luz Vermelha (1968), Rogério Sganzerla; Matou a Família e Foi ao Cinema (1969), Júlio Bressane; e Bang Bang(1971), Andrea Tonacci. Link da publicação (no Medium) sobre os 3 curtas no final desta página.

O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla

Caos e perturbação na Boca do Lixo: Brasil como um ambiente de guerra constante (Imagem: Youtube)

Primeiro comentário (primeira assistida)

O filme é um absoluto choque: a explosão do terceiro mundo, que não termina; e a explosão da cabeça do espectador, que mergulha no caos.

Talvez uma das melhores representações do Brasil que já vi. Subversivo, irritante, sujo e caótico em todos os sentidos. Como representar melhor nosso país do que a história de um bandido anárquico sendo narrada por um jornal policial sensacionalista e bizarramente hilário? É uma mistura desordenada, de tudo que é ruim com tudo que é bom, tudo que é interior com tudo que é exterior e mexe, mexe, mexe, mexe, mexe e mexe. Nada é linear em nenhum sentido, tudo é desordenado, misturado, desorganizado, beirando a loucura e o mais imundo lixo. Sempre que o filme começa a assumir alguma noção de ritmo, ele se desmancha e começa tudo de novo ou até se destrói mais ainda. O que me lembra como as trocas de governo (e até de estrutura governamental) no nosso país são caóticas e desordenadas (ora desenvolve, ora declina… ora é democracia, ora é ditadura — sem contar as malditas heranças coloniais e imperiais). É bizarro como Sganzerla consegue, de fato, misturar muita coisa: é realismo com naturalismo, é Brecht com Artaud, é cinema norte-americano com cinema nacional, são reflexões políticas com divagações aleatórias, etc etc etc. Se nem o áudio do filme é sincronizado, como que alguma coisa terá qualquer noção de organização? A montagem desorientada, a fotografia bagunçada e o próprio som barulhento e aleatório nunca estabelecem alguma linearidade, elas vão se transformando com o filme e, muitas das vezes, moldando o absurdo caótico que é o tal. Sem contar a bagunça de gêneros, intenções, dramatizações e toda essa pluralidade de questões que se resumem a essa estética do lixo e marginal.

Toda essa negação de linearidade e de sentido por Sganzerla constrói uma erupção de informações e sensações que entopem a obra e o espectador, tornando tudo aquilo sem nenhum sentido, tudo à beira da absurda e absoluta aleatoriedade caótica. Afinal, em um terceiro mundo estamental, o que resta ao povo e à arte é esse caos perturbador.

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Segundo comentário (segunda assistida)

Revendo isso aqui consigo confirmar o quanto esse filme é profundo e, ao mesmo tempo que fala sobre muita coisa, não fala sobre nada — expressando muito bem a incapacidade civilizatória do nosso país, como diria Euclides da Cunha, nosso Hércules-Quasímodo. Continuo com essa minha ideia sobre o filme (que detalhei no meu primeiro comentário) e fico com uma experiência hilária e de grande contemplação dessa obra apaixonante.

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Matou a Família e Foi ao Cinema (1969), de Júlio Bressane

Tudo se limita no Brasil: um corpo, um amor, logo, uma vida (Imagem: Youtube)

A natureza limitadora do Brasil, onde tudo é caos: ou você é torturado, ou você morre — seja pelo acaso, seja pelo (próprio) amor.

É um filme limitado e que se limita o tempo todo. Toda a encenação fria, seca e indiferente a aquelas situações criam toda uma relação hipnotizante com o espectador que, ao mesmo tempo, encanta e choca, interessa e estranha. Ou seja, o filme usa dessa estética suja e que nem se interessa por si mesma, para criar impacto pelas situações apresentadas e não pela estilização das tais. É quase que um trabalho que está mais interessado em, pela imagem, documentar aquelas situações e, pelo som, ironizar e deslocar o espectador. Usando quase que uma dialética sonora: seja pelas músicas irônicas, seja pelos sons estourados — há sempre algo que não faria sentido junto a aquelas imagens, mas acaba fazendo sentido, por todo esse universo onírico e cru do filme, que mais desloca, choca e impacta do que cria alguma mínima coesão. Nesse sentido, o longa tem muita força em estabelecer essa ilogicidade da limitação como um caráter brasileiro: o Estado limita pelo acaso (tortura vaga); e o povo se limita por sua própria mediocridade (o que resta a um casal lésbico em uma sociedade que não o aceita? a morte).

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Bang Bang (1971), de Andrea Tonacci

Quando o conceito de “sentido” é destruído: uma realidade absurda e ilógica (Imagem: Youtube)

O quanto o Cinema pode ser absurdo e bizarro, assim como a natureza humana é. O filme consegue criar situações hilárias e ao mesmo tempo outras extremamente irritantes. Além de toda essa encenação burlesca, absurda, bizarra e escrachada. Toda a ação do filme assumir que é um filme o tempo todo é muito reveladora sobre seu caráter radical. Essa obsessão brechtiana por lembrar o tempo todo o espectador que aquilo é Cinema e não vida real me traz um estranhamento sem igual. Tudo aqui é assumido como ridículo, animalesco e absurdo. Quase como um encontro entre Brecht (épico), Artaud (crueldade) e Beckett (absurdo), mas incorporado na cultura nacional e no contexto ditatorial. Há muito o que se pensar sobre esse filme, mas só sei que foi uma experiência extremamente peculiar. Não consigo nem pensar em alguma ideia pra isso. E só sei que Tonacci é um gênio e amei o filme.

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Escrito por João Paulo Amadeu Martins.

Comentários originalmente postados no Letterboxd em maio de 2021(links acima).

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Written by João Paulo Amadeu Martins

seleção de algumas coisas possivelmente boas escritas no meu letterboxd.

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