Cinema Marginal Brasileiro: Comentários sobre 3 Curtas
Documentário, Olho Por Olho e Blablablá
Ao realizar um estudo sobre o Cinema Marginal Brasileiro, assisti a 6 filmes (sendo 3 curtas e 3 longas). Aqui estão 3 comentários sobre os 3 curtas que assisti. São eles: Documentário (1966), Rogério Sganzerla; Olho Por Olho (1966), Andrea Tonacci; e Blablablá (1968), Andrea Tonacci. Link da publicação (no Medium) sobre os 3 longas no final desta página.
Documentário (1966), de Rogério Sganzerla
Um retrato do homem supérfluo paulista.
A incongruência dos sentidos, a comunicação pobre e a falta de norte. Como se existisse muito e ao mesmo tempo nada. Os movimentos de câmera querem dizer alguma coisa mas não dizem nada, a montagem (com alguns cortes bruscos) quer dizer algo mas não diz nada. Assim como os garotos não paravam de falar e finalizam sem decidir nada. Não há nenhum foco, nenhuma decisão: nem no lugar que eles estão indo, nem no filme que eles verão, nem nas mulheres que eles “pegaram” ou vão “pegar”… e assim vai. Ou melhor, assim se esvai o sentido. Não há significado em nada. E é bizarro como o curta serve como de fato um ‘documento’ dessa superficialidade do paulistano e como isso seguiu e ainda segue em ativa atualmente. Eu (de Taubaté, interior de São Paulo), não consigo numerar quantas pessoas conheço que são exatamente assim. A indiferença política e social, a objetificação das mulheres, a superficialidade nas conversas, o interesse minúsculo sobre qualquer assunto, a falta de sentido no cotidiano e na vida, toda essa desorientação imutável… e assim vai.
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Olho Por Olho (1966), de Andre Tonacci
O caráter doentio da juventude burguesa sob o regime militar.
Todas suas ações são vazias de significado. Isso quando há alguma ação de fato. Não só a violência do Estado militar que reverbera na juventude, mas também a perseguição, a burrice intelectual, a misoginia absurda e, principalmente, a incongruência, a desconexão e o vazio de suas ações. A poluição sonora do rádio, a brutalidade dos jump cuts, a voz irritante e indistinguível dos jovens, a assincronia do som direto, a não-linearidade da câmera (ora fazendo travellings longos, ora com os planos curtíssimos parados, ora com planos longos em movimento, ora utilizando zoom-in, ora filmando a cidade de forma aleatória, etc) e a própria falta de aprofundamento das personagens (eles têm uma distinção, mas nada além disso — parecem a mesma pessoa alienada politicamente e ingênua socialmente) constroem quase que uma explosão de sentidos e sensações, de forma bastante minuciosa, criando uma intriga e angústia que parece vir de forma ininterrupta. Toda a sequência que a jovem sai do carro dos garotos, anda pela cidade e entra no fusca é muito reveladora nesse sentido: o filme quase que nos coloca no lugar da personagem, de uma desolação e um medo extremo pela perseguição — tanto das pessoas na rua que não param de olhar pra ela, quanto dos garotos, cuja ação é revelada de forma espetacular, com a câmera retornando pra dentro do carro.
Somando todo esse caráter caótico e poluído, ao final do filme, me parece que ele próprio cansa de si mesmo. Como se a câmera quisesse fugir, se exilar, se refugiar de todo aquele mundo brutal, absurdo, alienado, caótico e vazio de sentido — seja na sua aleatoriedade supérflua, seja na sua violência minuciosa e, depois, escrachada.
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Blablablá (1968), de Andrea Tonacci
O quanto essa realidade estourada pode limitar o ser humano. O áudio que parece que a qualquer momento vai explodir, a câmera que fica balançando, tremendo pelos espaços e toda a intensidade das falas das personagens constroem toda uma ambientação instável, suja e caótica. Todo mundo quer expressar alguma coisa mas não chega a lugar nenhum: o político não para de falar e se contradiz a cada minuto; a guerrilheira fala pouco e, quando fala, nem dá pra ouvir; o bêbado fala todo desordenado e só ficou na idealização burra do sentimento revolucionário. Assim, o que nos resta são as colagens de imagem de arquivo, que ditam a unidade de todo esse cenário, vão o ambientando de forma conturbada e expõem muito bem a natureza aleatória de uma realidade violenta, ameaçadora e limitadora. Ou seja, a única legítima forma de comunicação humana em meio ao caos se dá por meio da imagem e do som, afinal, todo o resto é “Bla bla blá”.
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Leia a publicação sobre os 3 longas vistos do Cinema Marginal Brasileiro:
Escrito por João Paulo Amadeu Martins.
Comentários originalmente postados no Letterboxd em maio de 2021(links acima).
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